sábado, 31 de outubro de 2009

Mais



Senhor, bem fraca é a minha resposta ao Teu amor.

Assim me lamento.
Quero sentir-me em paz,
mas como é isso possível
se Tu pedes mais,
sempre mais de mim?
Eu nada posso.
Sou um verme
distraído
sem utilidade.
Como poderei viver em paz Contigo?
Como?
Sem estar sempre sofrendo
por saber que devia dar-me mais,
confiar mais,
abandonar-me mais,
morrer mais,
rezar mais,
amar-Te mais.


Como, meu Deus?


Sinto que não faço o suficiente.
Ainda sou cego.
Ainda sou coxo.
Ainda vivo possuído pelo pecado.
Não vejo em mim nada merecedor de salvação.


No entanto Tu amas-me.
Tu és Amor
e por isso achas-me digno de salvação.
Mesmo que eu nada faça para o merecer,
excepto apelar à Tua Misericórdia.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Dissonante II



Não me sinto bem na minha pele,

parece-me ter um segunda...
desajustada.
Quero me evadir
e refugiar-me no olhar de quem me vê.

Dissonante I



Brisa azul do céu.
Sou um inverno ao Sol.
Quanto mais perto desejo
mais dissonante
sombra à sombra sou.
Querer ser som vibrante,
semelhante ao que rodeia,
tonalidade pendant
e não esta coisa vã
que não chega à beira.
Opaco lamento
lento luto por vir,
carrega a dissonância
e a distância entre iguais.
Seus olhares são punhais
que reluzem à beira tarde
nas calçadas de Agosto.
E eu no meu posto
sou peça de outra máquina.
Quero, desejo,
rejeito, desvio o olhar.
E ecoam as embarcações
em vibrações sem par.
As quilhas rasgam a mente
diferente da pele morena,
dissonante tenho pele
de ela não ser a musa
do meu respirar vital.
Poema nela sem igual,
verso quente de mar
num lento conversar
para sempre consonante.


sábado, 24 de outubro de 2009

Leve, abraço do vento



No alto, no abraço do vento,
subo com aos pés o mundo.
Somos um neste momento
leve, lá no céu profundo.


Pairo com a alma insuflada,
leve, leve sob os montes.
O ar é puro, a luz parada,
ambos minhas vitais fontes.


Sou tocado pelo Tudo
mero eu meio grão de pó,
semelhante abafo mudo,
farrapo de um capindó.


E Nele vejo quem sou.
Só Nele realmente existo.
Nele o meu gelo brilhou.
Nele vivo mais do que isto.


Só Nele a lama é diamante,
o suor medalha de glória,
o fogo rio refrescante
e a queda raiz da vitória.


Pairo leve por segundos,
eternos, leve união.
Sou visita doutros mundos,
leve, leve, com perdão.


Depois regresso, ao cascalho,
que rebola monte abaixo,
à urze, esteva, ao galho
e à peças que nunca encaixo.



segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sete horas



Sete horas da tarde deste Inverno,
sete são só as lojas que fecham,
sete tantos doutores vestem terno,
sete amores passam e me deixam.


Está escuro na luz amarela,
a vida vem da caixa do dinheiro,
a calmaria já desce esta viela
que antes foi das formigas um carreiro.


Por detrás desse prédio, nada sei.
Por detrás de um escuro vidro quente,
escuro quente vidro, nada olhei,
um quente escuro vidro que me mente.


Quem acaba o trabalho agora sai,
quem na rua passa dele agora vem.
Quem no prédio entra só cansado vai.
Quem sou eu ! Nem sair nem entrar também


É triste as sete horas desta rua.
Vaidosas portas às sete fechadas
pondo decentemente e pura nua
a estrada onde há sóbrias fachadas.


Sem nada melhor p’ra fazer, ‘stou só,
sentado na cadeira e solidão
vejo a vida girando numa mó
onde sai só pó do meu coração.


Nesta rua tudo passa, só eu não.
Mas sou só eu a olhar e a rever nela
que eu queria estar nessa situação
de ser visto na rua pela janela.